Quando o jogo “The Beatles: Rock band” foi anunciado oficialmente em 30 de outubro de 2008, fãs de games musicais e beatlemaníacos se dividiram em dois grupos: o primeiro tinha a certeza de que o jogo seria um sucesso absoluto. Já o segundo, embora acreditasse que o poder do nome “Beatles” fosse suficiente para garantir as vendas, temia que a versão interativa não estivesse à altura da história de John, Paul, George e Ringo.
Um ano depois, esse temor já pode, enfim, se dissipar. “The Beatles: Rock band”, que o G1 teve a chance de experimentar na semana passada e que será lançado nesta quarta-feira (9) em diversos países do mundo (o Brasil ainda deve esperar pelo menos até o próximo dia 18), atinge o objetivo de transpor a saga da banda de rock para o universo dos videogames.
É um produto cultural feito com um capricho ímpar, que agradará aos fãs dos Beatles e, ainda mais importante, será capaz de introduzir a saga do grupo – considerado por muitos o maior e mais influente de todos os tempos – nos anos 60 às novas gerações.
Para contar a história dos Beatles, os produtores utilizaram, com algumas alterações, a já consagrada plataforma "Rock band" – que herda também características de sua série concorrente, “Guitar Hero”. Nas guitarras de plástico, basta apertar os botões indicados na tela e “tocar” na hora certa. Na bateria, idem. Quem canta, além do tempo, precisa manter o tom correto. E, pela primeira vez na trajetória da franquia, é possível cantar em até três vozes, fazendo jus às harmonias vocais características de algumas fases do Fab Four.
Foram feitas mudanças para deixar “Rock band” mais palatável para quem, atraído pelos Beatles, está estreando no mundo dos jogos. Não é necessário, por exemplo, enfrentar inúmeros desafios para destravar músicas: o repertório inteiro já está liberado desde o início no modo Quick Play. Também é possível jogar descompromissadamente, sem correr o risco de falhar em alguma canção.
Opção estética
Mas, se não era possível revolucionar tanto na jogabilidade, a Harmonix investiu na narrativa e nos gráficos. E, em ambos os aspectos, merece ser louvada. É difícil lembrar de alguma obra multimídia que tenha conseguido utilizar tão bem a interatividade para contar uma história. E “The Beatles: Rock band” é exatamente isso: uma pequena ópera digital, com gráficos tridimensionais, fotos e vídeos históricos mesclados à sensação de estarmos ali, nos palcos e nos estúdios, construindo a carreira lendária da banda de Liverpool. Jogo muda pouco em relação à tradicional série 'Rock Band'. Mas é suficiente. (Foto: Divulgação)
Apesar da opção estética por uma linguagem gráfica intermediária entre o realismo e o desenho animado, não há concessões: a riqueza de detalhes é impressionante, feita por gente que entendeu claramente o valor histórico do jogo. Lugares como o Cavern Club, em Liverpool, o cenário do programa de TV "Ed Sulivan show" ou o palco montado no Shea Stadium, em Nova York, estão ali, reproduzidos em perfeição. Pegue e compare o jogo a um vídeo qualquer gravado do show original, e se surpreenda ao notar que até os vincos da fita adesiva utilizada para segurar o microfone de John Lennon ao pedestal são exatamente iguais.
E é assim com a textura da madeira do baixo Höfner, de Paul McCartney, dos tijolos do topo da sede da Apple – onde os Beatles se apresentaram ao vivo pela última vez, em 30 de janeiro de 1969 – e até com as mechas do cabelo de George Harrison no canto do cisne da banda.
Lucy in the sky
Mas a melhor parte do jogo não está nos shows ao vivo, e sim nas músicas em que você acompanha os Beatles em estúdio. Enquanto você se diverte – ou se esforça, dependendo do nível de dificuldade – para tocar a canção, é surpreendido por cenários oníricos que fazem referência à música. Preste atenção em “Lucy in the sky with diamonds”: depois de alguns minutos de passeio por um caleidoscópio lisérgico, os quatro integrantes da banda subitamente “acordam” ao final da música, como se não tivessem entendido completamente o que acabara de acontecer.
Já a "viagem" de "I am the walrus" inclui os quatro integrantes vestindo roupas de animais como as que aparecem usando na capa do disco "The magical mistery tour".
Intocáveis
Não é fácil achar um ponto negativo em "The Beatles: Rock band", mas os jogadores mais experientes da série poderão sentir falta de ao menos dois recursos das encarnações anteriores do jogo que foram limados nesta. A alavanca de tremolo e os pedais de efeitos da guitarrinha de plástico, que permitiam ao jogador imprimir seu "estilo" em algumas passagens da música, não alteram em nada a sonoridade da canção. O mesmo vale para os rolos de bateria: se nos primeiros "Rock band" eles também eram livres em certos trechos das canções, na versão "Beatles" eles não podem ser executados.
As limitações, contudo, não surpreendem quem acompanha as notícias sobre quaisquer tentativas de reeditar ou alterar uma única vírgula no legado musical dos Beatles. Quando não são os próprios integrantes - ou suas viúvas - a vetar as intromissões, são os próprios fãs mais radicais que reclamam por se mexer nos cânones do grupo. Estes, portanto, não devem se incomodar tanto com a impossibilidade de improvisar sobre as canções - ao contrário, talvez achassem uma heresia poder fazê-lo.
Pecado ainda maior, aliás, seria poder vaiar os Beatles em pleno palco. Pois o recurso, que entrava em cena nas versões antigas do game sempre que o jogador falhava em sua performance, também foi cortado deste.
Por fim, outro problema é inerente à limitação natural do jogo, e acaba sendo na verdade uma bênção para seus criadores: são 45 faixas disponíveis no disco (veja lista completa), o que faz com que muitos clássicos fiquem de fora.
Ou seja, os fãs vão acabar gastando ainda mais dinheiro eventualmente para comprar músicas extras e até álbuns inteiros da banda por download para jogar em seus consoles: a íntegra de "Abbey road" estará disponível a partir da segunda quinzena de outubro; a de "Sgt. Peppers Lonely Hearts Club Band" virá em seguida, em novembro, e "Rubber soul" chega em dezembro. No mundo dos videogames, o sonho dos beatlemaníacos ainda está longe de acabar.
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